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nas margens do sena

Encontrei-te à mesa de um restaurante nas margens do Sena, vestida com o teu elegante vestido negro, e os resplandecentes cabelos soltos. Não te conhecia, mas arrisquei sentar-me na mesma mesa posta para dois. Desastrado, entornei o teu copo de vinho enquanto tirava o casaco. Não fizeste caso, sorriste e pediste mais dois copos daquele maravilhoso tinto. Disseste-me o teu nome, pediste-me o meu. Era uma noite atípica, Paris estava às escuras, apenas o reflexo do céu estrelado num rio que ousou parar o seu curso, e uma estranha luz que emanava daquela grande ramada circundante à nossa mesa. Até mesmo as estrelas que nos refulgiam no céu comportavam-se com misteriosos modos, impelindo-nos para a melhor noite das nossas vidas, como todas aquelas estrelas de milénios há muito passados já viram ao longo de eternidades. Enquanto nos maravilhamos com aquele molho de pimenta e café que acompanhava o jantar, contaste-me a história da tua vinda a Paris. Desculpa-me por dela não me recordar. No início, detive-me no teu gracioso olhar, depois, perdi-me no teu acanhado nariz e nos teus deleitosos lábios, no teu frágil gesto a colocar a alça do vestido, que teimosa e repetidamente tombava, de volta ao seu lugar e no modo assarapantado como acomodavas o cabelo sempre que ele te atrapalhava a conversa. Quando paraste de falar beijei-te. Ao mesmo tempo, a doze passos de onde estávamos sentados, o Jeff Buckley surgiu, começando a cantar o seu Grace desde a deliciosa Mojo Pin até à arrepiante Dream Brother. Ao tocar o último acorde, caíamos prostrados sob o peso dos nossos corpos, derrubando aquela pequena mesa para dois num restaurante ladeado pelo rio mais famoso do mundo. Podiamos ter começado a nossa vida ali, no chão de Paris. Mas os mortos jamais terão direito a uma nova vida. Mortos, envenenados por um sonho.

escrito por Pedro a 28 novembro 2006 //

guerras

Uma luta constante perpetua-se na tua cabeça. No cimo de uma colina estão os ares de mudança, prontos para atacar toda a indiferença contida numa apática espera ao longo de um planalto desprovido de interesse. Todos conseguem ver que a mudança é mais forte que a indiferença, que um duelo originaria uma vitória fácil da transformação a partir da displicência da indiferença, mas porém, ninguém sabe o porquê de tal duelo tardar a acontecer. Sente-se a vontade da mudança a aumentar a cada segundo, ao mesmo tempo que a indiferença se acomoda à monotonia diária, à sua falta de orgulho e objectivos. Observam-se ímpetos falhados de alguns guerreiros da reforma que acabam feridos pela própria descrença nas suas atitudes. A indiferença é rainha no oceano das tuas deliberações, torna-se a venda em frente aos teus olhos. A mudança poderia avançar em força e vencer, mas algo a trava. O que será?

Tornas-te apático, mesmo sabendo que está errado. Em momentos assim não há muito a que te possas agarrar e em que possas pensar. Não sabes qual é o próximo passo a dar e, no entanto, se me perguntares, de imediato te respondo. Tu és é parvo.

escrito por Pedro a 27 novembro 2006 //

o perfume

Dás por ti profundamente inebriado por uma descarga de energia repentina, preso nas redes de um só cheiro. Sabes que não precisavas de qualquer súplica para que te abandonasses neste estado perpetuamente pois de bom grado assim permanecerias até que os sentidos deixassem de possuir a força necessária para se cometerem aos desejos do corpo. Ajoelhado à sua frente imploras-lhe que fique, afastas a razão e deixas-te levar pelas ondas de perdição que a pouco e pouco se apoderam de toda a tua vida. Precisas deste impetuoso narcótico para te manteres aceso, seguro de todas as tuas capacidades motoras. Este perfume encantador não te deixa, fixou-se por todas as entranhas do teu miserável cadáver para que mesmo longe da sua alma tu tenhas a necessidade última de, a ela, te aprisionares. Estás em êxtase, se te fosse possível derreter como um cubo de gelo, há muito que serias um enorme lago uniforme no chão que aquele génio celestial diariamente percorre.
São estes os pensamentos que mal te deixam adormecer, aconchegado naquele gigante edredão de penas. Mas adormeces. E é quando acordas que entendes que, como tudo o resto que é bom, já passou, estando agora algures entre as folhas do desconhecido. Tudo jaz como antes de sentires aquela vertiginosa fragrância com uma subtil oscilação de amêndoas e madeira velha. Acabou, está tudo na mesma e nada mais ganhaste do que uma reconfortante memória de cada vez que te for oferecido o mesmo perfume. Vais receber a oferta e cair na imensa ternura. O bálsamo será o semblante de alguém ou aquelas férias que já não te faziam falta recordar. Mas acabará por aqui. Nada mais que uma reminiscência o que, de resto, já era de esperar.

escrito por Pedro a 25 novembro 2006 //

vinil

O som da agulha que percorre o empoeirado vinil. Para, põe de lado tudo o que estás a fazer. Fecha os teus olhos com toda a serenidade que te for possível de momento, controla a tua respiração e sente a melodia agreste da agulha a deslizar pelo negro disco. A doçura filarmónica a trinta e três rotações leva-te à pacificação completa, distante de todos as tuas dúvidas e considerações obscuras que te vêm atordoando nos últimos tempos. Mas está claro, tu não tens nenhum LP para apreciar tudo isto e muito menos um gira-discos, foste levado pelas ideias de todos os outros, sem sequer considerares que apesar da maioria seguir um caminho diferente e bem mais consensual, a agulha sobre o plástico poder-te-ia transportar para lugares dentro de ti impossíveis de atingir com um qualquer CD na mão. Sem dúvida que o ruído involuntário faz maravilhas aos ouvidos daqueles que realmente importam, mas será que é de música que tudo isto se trata? Ainda estás a tempo de trocar o CD pelo vinil.

Alberto Gedeão escreveu que o sonho comanda a vida. Antes dele, muitos tinham exprimido a mesma ideia por palavras idênticas e muitos outros vieram e virão a seguir sentindo e experimentando o mesmo. Não tendo a menor dúvida que a grande maioria das pessoas é comandada por muita coisa que não os seus sonhos e aspirações, umas porque não têm alternativa, outras porque nunca sentiram necessidade de se abrir a eles e um último grupo porque inexplicavelmente vive sem qualquer sonho ou desejo, tenho também as minhas ambições, grandes o suficiente para me preencherem e pequenas quanto baste para que não as ache impossíveis de realizar. Resta saber se irei ter a bravura suficiente para as pôr em prática. Se vou conseguir fazer a maldita troca entre CD’s e vinis, tendo em conta que a primeira opção não me sacia.

escrito por Pedro a 24 novembro 2006 //

sobrou o nada

Maldito sejas.

Levaste-nos a vontade de construir uma família, de viver para os nossos filhos e de nos fazer sentir bem perante todos aqueles que nos rodeiam. Levaste-nos a incerteza, o pudor e seu rubor, a paixão, o romance. Trinchaste todo o amor que se tinha mantido inatacável, sem nunca se ter deixado decifrar por todos aqueles que sempre o sentiram sem ver ilustrada a sua causa. Acabaste com o olhar crítico perante o mundo, com a contemplação atenta e emocionada de toda a complexidade com que o acaso soube edificar toda a natureza. Foi-se o cheiro de todas as noites frias, o sabor de uma chuva que agora nos cai seca no regaço e o som de uma multidão deslumbrada que hoje jaz apática num qualquer canto fortuito, todo ele repleto de um negrume difícil de comportar. Tiraste-nos a vontade de reflectir sobre aquilo que queremos, a aptidão para conceber tudo o que imaginamos, os horizontes que se abriam para uma nova jornada cheia de força e inquietude. Destruíste o amor-próprio, o ego, o super-ego e o alter-ego e, uma vez desfeitos, espalhaste as suas cinzas pelo mundo, não com o intuito de as ver crescer numa folha de laranjeira mas sim para que todos o pudessem calcar e desprezar. Estragaste a vivacidade dos mais novos e a felicidade moribunda daqueles para quem o tempo já há muito se tornou num jogo de constante ironia. Consumiste toda a feliz ignorância das crianças, o fulgor entusiasta dos adolescentes e a fortuna dos casais. Sem qualquer pejo, arruinaste o brilhantismo do ser.
Quando terminaste, e embora o esforço, nem tu foste capaz de sorrir. Entendeste que nada havia mais para levar, acabar, tirar, destruir, estragar ou consumir. Empalideceste, cerraste-te sob o teu abdómen e choraste o pranto do mundo. Aí, experimentaste a apatia que tão bem soubeste oferecer a todos. Sofreste a mesma morte que tão bem soubeste dedicar a todos os outros. Perdeu-se toda a vida, resta agora a vacuidade. Sobrou o nada. Maldito sejas.

escrito por Pedro a 22 novembro 2006 //

medo de agulhas

Agulhas, inúmeras agulhas que astuciosamente penetram na cabeça, não deixando espaço para qualquer reflexão mais elaborada. A única realidade que a tua cabeça suporta neste claro instante é um insuportável desconforto. Para além das agulhas, claro. Sabes que estão lá porque dói, sabes que são muitas por ser impossível decifrar as fronteiras dessa mesma dor. Depois, segue-se a fossa cheia de areia e pedras irregulares no qual o teu crânio fica num curto instante submerso. À dor associa-se assim uma pressão exagerada, incapacitante. Já não te bastava a dor, agora tens de ser forte e aguentar com a eminente detonação de todos os teus nervos. Os membros dão de sim, sem o seu órgão motor nada podem fazer. Perdes a determinação necessária para te mexer, os estímulos que recebes não provocam em ti qualquer diferença. E o estômago. O estômago, que não conhece qualquer alimento há horas, dá ares da sua graça dizendo explicitamente que não tolera que se pense, se quer, em comida. Está frio. Não, está calor, é debilitante! Como pode estar calor? Estás a tremer! Está frio. Não, não, é impossível que tenhas frio, estás a suar, pobre diabo, estás com calor. Se calhar estás doente. Sim, estás doente. Inconveniente doença esta, que te deixa fraco de espírito. Começa ligeira, sem deixar muitos rastos, preenchendo o teu pensamento com dúvida. Tão depressa te sentes doente como te deparas com o teu melhor estado de espírito. Já estás bem de novo, sorris como nunca, nada de mau se atravessa no teu caminho, queres abraçar toda gente, correr sem parar, mas se ainda agora estavas tão mal e agora já nada sentes, isso só pode significar doença. E voltam as agulhas, as pedras, a perda de apetite e de desejo de movimento, de vida. E era tão fácil ultrapassar tudo isto de uma vez, bastava que de um minuto para o outro te levantasses e ocupasses a tua pobre cabeça com outra coisa que não a tua doença. Bastava que ignorasses essa miserável abundância de pensamentos disparatados e acordasses para o vazio.

Não é assim que nos educaram? Se algo te atormenta, tens apenas que o esquecer, passar um pouco de água por cima para que os problemas se afastem. Mais tarde ou mais cedo já não te lembras de que as agulhas apareceram por uma razão que não era de todo inválida.

escrito por Pedro a 21 novembro 2006 //

ansiedade

Finalmente adaptamo-nos ao monótono barulho do motor. Já há muito que desligamos o rádio e deixamos de falar com os restantes ocupantes da viatura, o cansaço apoderou-se finalmente de nós ao fim de algumas horas de permanente viagem. Desde o início da jornada, o ambiente que rodeia a estrada deve ter mudado umas duas dezenas de vezes, ficaram-me bem marcados na memória os dois grandes lagos naquilo que penso ter sido o início da viagem, uma cordilheira que se exibia infinita e os campos de sobreiros que se perdiam de vista. Tudo correria bem exceptuando alguns factos que convém assinalar.
Nenhum de nós se consegue lembrar onde começou a viagem e para onde nos estamos a dirigir. Das centenas de quilómetros que já passaram pelas rodas deste carro, em nenhuma delas se apresentou uma saída. E pior, podemos afirmar que estamos perdidos, mas não podemos fazer nada em relação a isso, uma vez que o carro parece seguir sozinho, respondendo a subtis mudanças de velocidade ou de direcção, mas sem nunca se deixar guiar por nós. Estamos enclausurados num carro, sem memória do nosso passado mais distante e sem qualquer vislumbre daquilo com que nos podemos deparar. Estamos presos a esta viagem, sem sabermos porquê.
Entrelaço as mãos, sento-me por cima das pernas, volto a coloca-las no chão, estico-as para cima do tablier, fecho os olhos, tento entender porque raio estou aqui, adormeço, volto a acordar, viro-me para o outro lado, adormeço outra vez, acordo por diversas vezes mas tudo permaneceu igual. Quero sair daqui, sair desta estrada. Mas não consigo. Estou impaciente e revoltado, confuso e completamente transtornado.
Ao fim de uns dias de viagem, já todos arranjaram coisas para fazer. Um está a escrever um livro, outro passa o dia a música que vai passando no auto-rádio e os dois últimos começaram a descobrir as maravilhares do sexo oposto. Sobro eu, no meio deste microclima, a tentar entender porque raio estamos nós numa estrada que nos leva a nenhures. Não pode ser só para passar o tempo.

Forma-se o comum nó na garganta, ao mesmo tempo que tenho a sensação de que o coração deixou de bater. Sei que sinto alguma dificuldade em respirar, mas a verdade é que também não tenho grande vontade para o fazer. Não consigo estar parado e, no entanto, nada do que faça me parece acertado, nada me satisfaz, não consigo ficar saciado. A agonia provocada pela ansiedade. A ansiedade de querer descobrir qual é o próximo passo a dar. O passo que poderá mostrar-me que posso ser útil para qualquer coisa. O sentimento de inutilidade é sem dúvida alguma um dos piores que podemos experimentar. Sentirmo-nos como inválidos, e tudo porque nos dignamos a reflectir sobre o facto de estarmos a agir como é presumido e não como queremos. Porque é que não posso ser como os outros quatro?

Porquê?

escrito por Pedro a 20 novembro 2006 //

que se retirem todas as mãos dos deploráveis bolsos

Que se retirem todas as mãos dos deploráveis bolsos, faça-se com que todas as televisões e computadores impludam numa visão eternamente memorável e reconfortante, que se erga a maior revolução de sempre contra o abismo provocado pelo maldito tédio! Sorrisos deste mundo, abram-se diante a chuva de especiarias nunca antes por nós experimentadas, a torrente de orgasmos mais arrebatadores de sempre e toda a abundância de cores que daqui em diante se vai abrir perante todas as almas enfadadas deste mundo e de todos os demais que existirem à nossa volta, ocultados pela nossa complacência para com a falta de criatividade! Sintam a energia que a felicidade dos outros transmite, juntem-se a eles, cantem, destruam as vossas gargantas com eles e por eles! Ouçam os acordes dados pelo extraordinariamente desafinado mas sublime piano deste eminente motim, aspirem bem fundo a essência deste perfume com que todos os homens e mulheres se cobriram para o dia que agora nasceu, que se corra pelas ruas, se calque todas as folhas que o Outono fez cair e toda a merda que os animais dos donos de todos os cães do planeta decidiram não retirar do passeio e, mais importante que tudo, que se siga o seu exemplo e se quebre todas as regras cujo virtuoso bom senso contemporâneo permitir. Não possibilitem que nenhum ser reste sem o amor de outro ainda mais belo que ele, façam caso que sejam lidos todos os livros da terra no mais curto espaço de tempo possível, explorem tudo o que julgam conhecer o mais profundamente possível, suem, por favor, suem e sintam todo o vosso corpo a ceder à ininterrupta cadência da revolta. Elevem-se o mais que puderem e admirem bem o mundo que desde sempre esteve aqui para vos regozijar e em vez alguma ter pedido fortuna em troca. Conciliem-se com tudo o que vos atormenta e, se necessário, ergam as vossas almofadas, mais alto, o mais alto que vos for possível, lutem com elas, alimentem o mundo com o vosso próprio corpo se essa for a única solução, façam todos os outros à vossa volta chorar compulsivamente de tanta alegria presa num corpo tão pequeno e por fim morram. Desapareçam, para aí se permitirem por fim a dizer

Não foi em vão.

escrito por Pedro a 16 novembro 2006 //

dilúvio

Lá fora o céu desaba, a chuva decide misturar-se com a escuridão avassaladora, típica de uma cidade que se oculta mal os seus ponteiros fazem esquecer as oito e meia da noite. Como sempre acontece quando o clima se enclausura, escolho uma música um pouco mais soturna, que irremediavelmente me envie em direcção ao cosmos, bem por cima dessas nuvens diluvianas. Quando era mais novo, adorava correr durante as tempestades mais bizarras. Fazia questão de despender do guarda-chuva, esse obstáculo entre nós e a pureza da qual os aguaceiros nos cobrem, nunca me importando de quão ensopado poderia ficar. Muitas foram as ocasiões, principalmente durante o secundário, em que passei aulas de química inteiras em frente a um aquecedor, à espera que toda a indumentária deixasse finalmente de gotejar.
Presentemente, não faço nada disso. Ao contemplar o exterior, pela janela, e a ver toda a chuva que cai em catadupa, sem qualquer vontade de cessar, imagino-me a caminhar pela cidade dentro e em escassos instantes estou novamente dentro do meu quarto, bem quente e enxuto. Sempre tive uma predilecção por estar dentro das coisas, de agir, em detrimento de ser um mero espectador. Pois para esta chuva sou agora uma eterna testemunha e não um actor com o qual ela contracena. Será que, aos poucos, me tornarei assim com tudo?
À medida que crescemos parece que nos tornamos mais ausentes em relação à vida, mais cerebrais e menos espontâneos, mais carentes de calor e menos de adrenalina. Prosperamos, é certo, mas será que evoluímos na direcção certa? De todas as vezes em que não arriscamos, em que não nos aventuramos por algo que sempre gostamos de fazer, será que estamos no caminho certo? Nos últimos tempos, coloquei de parte enumeras coisas que sempre me deram um gosto imenso fazer. Fi-lo porque precisei, pois estava carente de uma mudança um pouco radical e se é certo que me tenho sentido bem com isso, também não são poucas as vezes que ponho em causa algumas das minhas decisões.
Hoje estou em casa, com as minhas músicas nostálgicas, o meu escuro inato e um incenso envolvente e precioso, pois preciso deste espaço para mim. Hoje já tive, por mais do que uma vez, saudades de coisas que nunca mais irei ter. Já senti a falta disto, dele, daquilo e de ti. Mas hoje sinto-me também honrado com esta nostalgia, com esta observação estática contrária à minha natureza impulsiva e envolvente.

Esta noite vou ser um mero observador, contemplar o céu que desaba.

escrito por Pedro a 15 novembro 2006 //

retardado, ainda que moderado

Tenho alguma curiosidade em fazer um teste de QI a sério – tu sabes, algo que não seja um daqueles questionários parvos da Internet – e isto porque há em mim a ligeira sensação de que o resultado iria andar à volta dos 50, o que, segundo um índice qualquer que encontrei na wikipedia, indicaria retardação mental moderada. Passo a explicar.
Por dia passo uns 40 minutos a deslocar-me de um qualquer sítio para outro a pé. Tempo morto, portanto. Também perdi o hábito de almoçar com a televisão ligada, por isso são mais uns quinze minutos sem nada para fazer – isto porque por muito que eu ache piada às vezes em que realmente saboreio a comida, decididamente não fui fadado para tal actividade. Gostava de ser uma pessoa mais ponderada a comer, mas acho que o apetite me ganha aos pontos. A juntar a estes (quarenta mais quinze) sessenta e cinco pontos, tenho as vezes em que estou deitado na cama a fazer absolutamente nada. E nessas alturas, apesar de dizer para mim mesmo, a início, que estou a ouvir música, cedo perco a atenção e o meu pensamento começa a divagar. Posso por isso dizer que por dia, perco umas duas horas a pensar, momentos mortos em que não estou realmente a fazer nada.
Já por esta última frase podem reparar como sou um verdadeiro retardado mental, porque acabei de afirmar que pensar, além de ser uma perda de tempo, não é realmente uma actividade. Mas interpretações textuais exageradas à parte, deixem-me lá explicar o porquê de me achar verdadeiramente merecedor de um QI abaixo dos 55. Sempre que tenho esses momentos em que o meu corpo entra numa actividade extremamente enfadonha e mecânica, o meu raciocínio como que entra em modo idle. Dou por mim a começar a pensar em algo extremamente produtivo, como tentar inventar maneiras de salvar o mundo sozinho – é pura verdade, não estou a dizer isto para me sentir bem enquanto o escrevo, eu gostava mesmo de inventar qualquer coisa que salvasse o mundo. Passados 40 segundos de ter iniciado a minha batalha de argumentos interna, eis que uma qualquer parte do meu cérebro se lembra que a Mónica Sintra tem uma música bastante parva, em que diz que vai falar de mulher para mulher. Raios, a Mónica Sintra nunca salvará o mundo. Esforço-me por contrariar estes pensamentos involuntários – “Porque é que isto veio parar cá dentro? Sai! Desaparece, deixa-me salvar o mundo!”. Quando consigo livrar-me do conceito Mónica Sintra, já não me lembro do que estava a pensar anteriormente. Então, a minha mente começa a devanear sobre o que tinha comido ao almoço, que tinha muito sal, diz ela de seu juízo. Do sal passo para o mar, já não dou uns mergulhos à muito tempo. E por falar em tempo...
Isto acontece realmente, o exemplo de salvar o mundo é recorrente e o da Mónica Sintra aconteceu hoje mesmo quando tinha acabado de ler o último capítulo do “Perfume” no autocarro e estava a pensar como tinha gostado do livro e da ideia, que corroboro, de que somos movidos pelos odores deste mundo. É desanimador ensaiar um fio de lógica dentro da minha cabeça e saber que em vinte, trinta segundos ele vai descambar.

Resguardo-me na ideia de que ser um retardado mental, ainda que moderado, é bom. Pelo menos sei que da próxima vez que me chateie, por muito mau que seja o problema, pouco tempo irá passar até ter um qualquer vislumbre de pensamento irrisório que me vai levar para bem longe das irritações que este mundo provoca.

escrito por Pedro a 14 novembro 2006 //

o dia

Está decidido. Comprei um carro usado, cujo número de anteriores donos deve rondar as duas dezenas, uma tenda de campismo nova onde me espero sentir como se não deixasse o meu quarto e algumas meias – não sei porquê, mas algo me diz que as meias são importantes. Fecho a porta de casa com o intuito de não mais voltar a abri-la, verdade seja dita, nunca gostei desta porta, por isso também não há razões para sentir a sua falta. Acho que tenho tudo. Sim, tenho tudo. E mesmo que não tenha, não importa, pelo menos tenho as meias. Cá fora faz frio, o céu está limpo mas ainda ostenta aquela mistura de azul, amarelo e rosa própria das manhãs que ainda não deixaram as horas passar o suficiente para ver o sol nascer. Todos os carros estão cobertos de geada menos o meu. Não estranho. Entro no carro, pouso as coisas no banco de trás. Porra, faz frio, podia ter escolhido um dia melhor para mudar a minha vida. Deverei deixar tudo isto para amanhã? Afinal de contas tomar uma decisão em cinco minutos, apesar de bastante natural em mim, não é coisa de que me deva orgulhar abertamente. Ponho Sigur Rós no auto-rádio, ligo o carro, aqui vou eu. Poucos são os carros que se cruzam por mim, não que faça qualquer diferença, vou ter bastante tempo para ver passar muitos deles durante os próximos meses. No entanto, é incontestável que me sinto orgulhoso por ser dos poucos condutores na estrada. Afinal, tive a força de vontade suficiente para sair da cama bem cedo e mudar tudo, eles não. Conduzo sem parar, passo por todo o tipo de nuvens e odores, sabe bem esta liberdade. Almoço numa tasca de uma qualquer aldeia no meio do Alentejo. Penso em como têm sorte todas estas pessoas que vivem isoladas de tudo o resto, que partilham apenas com meia dúzia de gente igual a elas este nicho do mundo, onde parece que a vida problemática e fútil das grandes cidades nunca há de chegar. Ao fim da noite estou a chegar ao parque de campismo em Granada. Será ai a partida para a verdadeira aventura, deixar tudo para trás, o que na verdade não é assim tanto, e partir para o mundo. Se ele existe é para que eu o veja, não para que fique à espera de ouvir falar dele. Vou ver, cheirar e tocar cada pedaço deste planeta, e só vou parar quando morrer de cansaço. Ao menos morri a fazer algo que me dava ânimo. Um forte ruído de frequência enervante interrompe toda a linha de pensamentos. Sinto-me confuso, meio inconsciente e com frio, tapo-me. Tapo-me? Mas não estava a conduzir algures na Andaluzia?

Ah.

Não faz mal, o sonho pode esperar.

escrito por Pedro a 13 novembro 2006 //

o desconforto

Sempre fui da opinião de que, na eventualidade de estarmos a fazer algo a contra-gosto, e uma vez que a vida é curta e deve ser aproveitada da melhor maneira possível, o melhor será mesmo pôr o que quer que seja que nos está a incomodar de lado e partir para outra o mais cedo possível. Constantemente assim pensei, fiz e disse aos outros para o fazerem também. Repara, apesar de toda gente procurar um sentido para a vida, – devido ao hábito de causa/efeito em que estamos permanentemente envolvidos – a única certeza que podemos ter é o de sermos nós os criativos na obra desse mesmo sentido. Vivemos por produto do acaso mas é certamente demasiado penoso pensar deste modo e é por isso que nos obrigamos a orientar a nossa vida para determinados objectivos a que nos propomos atingir, chegando à conclusão que, no caso de os atingirmos, a nossa vida fez todo o sentido. No entanto, quando morrermos, não há sentido de vida, moral ou legado que nos valha. Estamos mortos, fazemos parte da terra e é para ela que serviremos de alimento, nada mais do que isso. Ora, se a morte é o fim, e se para nós não vai haver nada mais que isso, tentemos ao menos aproveitar os 70, 20 ou 100 anos que por aqui andamos. Realmente aproveitar. Em vez de sobrevivermos, experimentemos viver.
É aproximadamente neste ponto que o meu dia a dia actual me entristece. Por muito pequeninos que nos possamos sentir, existem coisas por de mais que nos podem prender a atenção e fascinar durante uma vida. Se a evolução nos facultou dos sentidos que dispomos, porque é que os utilizamos tão mal? Em vez de nos preocuparmos em sentir todo o mundo que nos rodeia, a experimentar cada bocadinho dele, passamos o tempo a contemplar mediocridades, a arranjar problemas com quem nos rodeia e a tentar arranjar ocupações para passar o tempo. O que mais me chateia não é que os outros sejam assim, mas que eu também seja assim! Não me importa que tu o sejas assim, nada mesmo, se és feliz como vives! Mas eu não sou, eu preciso de experimentar o mundo, preciso de conhecer o máximo que possa, de o sentir, de o cheirar e saborear! Preciso porque não me faz qualquer diferença ser rico ou pobre, obter ou não reconhecimento, deixar ou não deixar filhos - arre, mesmo que o mundo inteiro decida deixar de ter filhos, quem é que vai restar para se queixar e censurar? - e muito menos terei qualquer problema se deixar uma imagem positiva ou negativa quando morrer.
Não pedi a ninguém para viver, há 21 anos atrás estava morto e não me queixava e não espero queixar-me quando o coração deixar de bater. Mas já que aqui estou, devia aproveitar cada dia para conhecer algo novo, devia soltar-me daquilo que tenho medo e partir à descoberta do máximo de experiências que posso obter.
Não posso pedir que todos pensem da mesma maneira que eu, mas isso não me vai fazer deixar de pensar que os valores pelos quais a maior parte das vidas se regem estão completamente trocados. O que eu devia fazer, era deixar o curso que realmente desprezo e a casa que me deixa claustrofóbico, e partir à descoberta do que quer que esteja à minha espera.

Pois é. Gostava de ter a coragem que me falta, digo para mim mesmo. Ser cobarde é exasperante.

escrito por Pedro a 11 novembro 2006 //

humores

De tempos a tempos, não te sentes farto de ver pessoas? Acordas um dia e dás-te por feliz por estar sozinho em casa, sem ninguém a olhar para ti ali ao teu lado, sem ter de falar com outros ou partilhar o teu espaço com alguém. Será que acontece a toda gente? Uma súbita necessidade de se afastar de qualquer contacto humano, por muito importante que ele costume ser para ti. Tenho a certeza que se fosse a única pessoa à face da terra em três tempos morreria de desgosto, uma vez que eu, mais do que muitos, preciso de falar com as pessoas, olha-las, sentir reacções e estímulos. No entanto, e a tempos espaçados, preciso de estar sozinho. Então, nesses dias, acordo e dou-me feliz por ter este espaço dentro de mim, escondido do mundo, onde não há ninguém que, por muito que se esforce, possa chegar. Não preciso de ouvir nada do que o rádio ou a televisão têm para dizer, – afinal de contas não há de ser muito diferente daquilo que disse há uma semana atrás, nem daquilo que irá dizer daqui par a frente - não me faz qualquer falta saber o que é que a Dona Olinda está a contar ao Senhor Alberto na paragem do autocarro e, mais do que isso, não preciso do que o que quer que me tenham para dizer seja dito, por muito importante ou fatal que possa ser. São alturas extremamente egoístas, estas, portanto, onde o único objectivo de acordar é esconder-me dentro de uma grande carapaça que eu criei, extremamente feia para que ninguém a possa querer ou sequer reparar, e tentar passar o dia sem levantar qualquer suspeita de que o dia que passou para os outros, passou para mim também. Nestas alturas, fico extremamente irritável quando tenho de ter longas conversas com as pessoas, simplesmente não estou para isso. Apetece-me sim andar pela relva, (raios, porque é que a relva nos fascina? Não passam de umas folhas verdes despenteadas que tapam uma enormidade de terra negra e bichos estranhos!) nadar no mar ou, caso o mar esteja ocupado pelo frio, na piscina, – adicionaria ao leque de opções a banheira, mas longe vão os tempos em que ainda podia nadar dentro dela - pôr um daqueles incensos estranhos no quarto e ouvir música que não me faça aperceber que ela está no mesmo espaço que eu, ou ler algo que me transporte para bem longe do sítio onde estou.

Não me apetece comer, trabalhar, divertir ninguém ou dar explicações a quem quer que seja. Sei que não vai durar muito e por isso posso dar-me a esse luxo. Depois, só preciso de aproveitar o tempo da forma mais egoísta possível, porque também mereço.

escrito por Pedro a 09 novembro 2006 //

impulsos

Se quando falamos de sexo, falamos invariavelmente do impulso que pôs a Mafalda em cima do André, porque é que nos esquecemos deles para tudo o resto. Uma imensidão de impulsos eléctricos juntamente com um número ainda maior de factores exteriores dita que este texto seja escrito. Do modo semelhante, é um qualquer conjunto imensurável de energia ligado ao ambiente envolvente que dita que o mesmo texto seja lido. Veja-se os impulsos eléctricos um por um e chegar-se-á à conclusão de que eles foram criados a partir de mais uma incompreensível soma de electricidade com agentes externos. Já estes mesmos agentes – ou factores, gosto de pedir sinónimos ao word, neste caso também podia ter utilizado causas ou condições - externos, sejam eles o sorriso da Sra. Celeste que viaja connosco no autocarro, o acidente que acabamos de ver onde o Vítor morreu ou o som provocado pelo mar, são todos eles trazidos a nós por mais impulsos eléctricos. Se o facto de acordarmos, comermos, falarmos e pensarmos se deve apenas a energia, e se isto é regra para tudo e todos, onde raio se encontra o livre arbítrio? Não se torna triste pensar assim? Chegar à conclusão de que nada do que fazemos tem algo nosso, uma vez que foi tudo movido por impulsos. No fundo, a concepção de racionalidade não passa de algo inventado quando ainda não sabíamos que tínhamos electricidade a correr no cérebro e que, por conseguinte, não pensamos mas somos levados a chegar a conclusões através de impulsos eléctricos. Não somos iguais a um cão ou uma vaca porque os nossos impulsos são ligeiramente superiores – e por superiores não se entenda melhores – que os deles. Se segundo Decartes um animal não passa de uma machina animata, alguém devia ir ver se ele não está neste momento às voltas debaixo da terra, coitado, revoltado por ter vivido numa era em que foi conduzido pelas ideias contemporâneas a ter errado tão redondamente na diferenciação que fez. Afinal, ele também era uma machina animata, a diferença é que os animais não podem ser conduzidos a essa conclusão, o Homem pode.
Mas o pior desta ideia não é o facto de sermos comparados com um animal, nas últimas décadas tornou-se comum chamar Vaca àquela e Boi àquele. Já ninguém se revolta por ser comparado por um animal – as pessoas revoltam-se sim pela conexão de Puta ou Filho da Puta que a comparação acompanha. Como estava a dizer, o pior não é a comparação, mas sim o novo significado de destino. Se és movido por impulsos eléctricos e por observações que por sua vez foram ambas criadas por mais impulsos eléctricos e observações, é fácil de entender e difícil de engolir que toda a nossa vida está já desenhada algures.
Então, bastaria que alguém inventasse uma máquina com impulsos interiores e percepções externas como entrada e uma consequência como saída, para termos uma fantástica bola de cristal criada pelo Homem, sem bruxas e adivinhos de aspecto duvidoso à mistura. Por outro lado, sem máquina, somos levados a pensar que realmente temos algo a dizer. Se eu sou mesmo bom no que faço, sou-o porque trabalhei muito para chegar aí. Se aquele é realmente mau, é-o porque nunca se esforçou o suficiente. Ninguém quer pensar sequer que, se calhar, há uma pequena hipótese de todos já estarmos predestinados pelos impulsos eléctricos que nos antecederam a fazer o que fazemos e a tornarmo-nos naquilo que nos iremos tornar um dia. E se assim for, se já estiver tudo engendrado, mais vale mesmo levantar a cabeça e olhar para a vida com olhos de quem está aqui para aproveitar tudo o que tem para aproveitar, sem se chatear em demasia com futilidades, tentando passar ao lado de todos os problemas que se aventurem pela frente.

Por outro lado, se o estamos a fazer, a olhar a vida com esses olhos, é porque a tal quantidade de impulsos e causas o impulsionou. Merda.

escrito por Pedro a 07 novembro 2006 //

despertar

Seis e quarenta e sete da manhã, é o que o despertador, mudo, exibe no seu verde mostrador. As pálpebras, ensonadas, abrem-se lentamente mas tudo o resto permanece fechado sem motivo aparente. O que é que se passa? A razão tenta soerguer o corpo morto mas sem qualquer consequência, os cinco sentidos parecem adormecidos, choram por algo diferente a que se possam associar, do que aquilo que experimentam neste preciso momento. A culpa tanto pode ser do ar carregado que preenche o quarto hoje, das duas garrafas de Freixenet consumidas de rajada no estranho fim de tarde de ontem, do tempo pouco convidativo que a janela negligentemente deixada aberta durante toda a madrugada apresenta ou dos tentadores cobertores que tudo escondem. A culpa pode ser minha ou até de ninguém. As mãos tentam agarrar algo tangível nos nervos que se começam a aglomerar por todo o corpo. Aqui vamos nós outra vez. Os nós presentes em todo o corpo renascem para o novo dia, as feridas que a noite poderia curar, não curou.

Tenho de me levantar, encarar tudo de outra maneira, apesar de tudo ser exactamente igual ao que sempre foi. E se não quiser mudar? Não quero. Tenho de mudar, digo de novo. Como se isso fosse fácil.

escrito por Pedro a 06 novembro 2006 //

saudades

Já não me acontecia há um tempo considerável. Parece ter voltado uns quantos anos no tempo e ter-me tornado bastante mais sensível a inúmeras coisas que já nada me diziam. Ele é o lugar por onde passo que me provoca um não sei quê atrás da orelha, a música que num instante invade o meu quarto e que me faz lembrar o lugar onde estive há cinco, seis ou sete anos, criando uma vontade imensa de o voltar a ver ou o cheiro e sabor que experimento e que me fazem pensar na última vez que os senti.
O estranho não é, no entanto, sentir saudades, mas sim não conseguir compreender se me sinto bem ou não por tê-las comigo. Quando alguém odeia outra pessoa sabe bem que não gosta do sentimento, que lhe causa raiva, mal-estar, tudo o que lhe apetece é fechar os olhos e fazer com que todo o negativismo desapareça; do mesmo modo, quando amamos sabemos que queremos experimentar aquele estado para sempre, completamente desligados do resto do mundo que de um momento para o outro se vê transformado numa só pessoa. Ora, com as saudades, o mesmo não se pode nunca vir a passar. Consigo entender de uma forma bastante simples que tenho saudades, sinto o aperto entre os lábios e as vísceras mas não consigo rotular a sensação como boa ou má.
Hoje, enquanto conduzia, senti aquela nostalgia que toda gente sente quando passa por um sítio que muito nos diz. Raios, devo sorrir? Devo pensar em tantas boas memórias que aquele lugar me traz e que poderá ainda vir a trazer? Será correcto basear-me apenas nisso? Ou deverei ficar completamente de rastos por tudo o que passou já ir bem longe e por hoje, neste preciso momento, não poder sentir o mesmo?
Confesso que gosto do modo como de um momento para o outro se cria uma enorme abstracção de tudo o que nos envolve, as pessoas desaparecem, o ruído dissolve-se e o coração quase para, deixando todos os nossos movimentos quase imperceptíveis; o mundo para de girar e, como uma névoa, aparece na nossa cabeça a memória do tempo que saudamos - com uma ou duas coisas que melhoramos, uma vez que o sonho é nosso e nele podemos tornar a perfeição ainda mais perfeita, mesmo que na altura ela se tenha mostrado o verdadeiro terror; é um sonho, tem de ser perfeito. Então, a pouca saliva que tínhamos na boca desaparece, toda ela é agora um rio de lágrimas junto ao bordo dos olhos. Não choramos, mas sentimos que se aquilo que estamos a recordar se tornasse realidade num segundo, levaria bem menos tempo a todas as lágrimas escorrer pelas nossas faces.

Estarei feliz ou numa lástima? Sentimento confuso, este.

escrito por Pedro a 04 novembro 2006 //

o parque

E porque ficar em casa não é vida, - mas sim um dos muitos hábitos breves, com a distinção deste se tornar mais breve que os restantes por minha indicação - saio de casa para expulsar tudo o que possa estar contido cá dentro com uma corrida pelo parque. Diga o que se disser, nada é melhor do que uma corrida ao final da tarde pelo único sítio desta cidade onde a urbe ainda não se aventurou, preenchido por aquele perfume que todas as árvores do parque da cidade libertam. Ao mesmo tempo, é bom ver tanta gente a partilhar esta satisfação, passeando com o marido depois de um dia de trabalho mais cansativo que o normal, namorando com a sua mais que tudo, um ano e meio depois daquele primeiro beijo, treinando com o seu amigo a quem a mãe morreu faz hoje sete semanas ou divagando sozinho por entre aquele bosque que mais parece ter caído de um sonho antigo. Invariavelmente, acompanhada ou não, cada pessoa se vai isolar por uns segundos admirando tudo aquilo que a natureza nos oferece ali e todo o bem estar interior que ela cria em nós.

Por muito incógnito que possa ser o amanhã, sei que mesmo estando nos meus piores dias, o parque estará ali, pronto para trazer o meu bom humor de volta com duas corridas ou três.

escrito por Pedro a 03 novembro 2006 //

quatro paredes e uma porta

Do meu lado esquerdo tenho todos os livros que possuo, boa companhia se têm mostrado, levando-me a viver vidas que tanto tenho como dos intervenientes da história e do seu autor, como minhas. À minha frente está uma chávena de chá, - de facto, está uma chávena, porque o chá já há muito desapareceu - o estático portátil onde escrevo estas linhas e uma qualquer música dos Elysian Fields a acompanhar. É estranho o tempo que ainda consigo perder em frente a este computador, sempre a fazer qualquer coisa supostamente produtiva mas que em nada me agrada. Do lado direito, a parte melhor do meu quarto. Digam que o meu agrado devia ficar do lado esquerdo, não interessa, neste caso está do lado direito. Uma brancura imensa ocupa todo o céu, o que está por baixo não interessa, é como um grande borrão - tal como são quase todas as cidades deste país - criado por uma falta total de planeamento. Como digo, não interessa. O esplendor, esse prende-se com o que está lá em cima, com a liberdade e plenitude que todo este céu de Novembro transmite. Atrás de mim tenho uma parede recheada de boas recordações, como portais de um qualquer livro de ficção por onde posso recuar no tempo. Ao lado da ficção, a realidade: a porta que chama “sai deste quarto” onde passo a maior parte da minha vida, quer queira quer não, e que me leva a experimentar tudo o que me faz realmente feliz.

No entanto, hoje não lhe dou ouvidos. Hoje, o meu dia quer-se aqui, entre as quatro paredes e sem passar por aquela porta. Há dias assim.

escrito por Pedro a 02 novembro 2006 //

Hábitos Breves

"Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente - porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar. E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé - a indestrutível louca... e sábia! - em que este novo objecto será o bom, o verdadeiro, o último... Assim acontece com tudo, alimentos, pensamentos, pessoas, cidades, poemas, músicas, doutrinas, ordens do dia, maneiras de viver." Friedrich Nietzsche, in 'A Gaia Ciência'