medo de agulhas
Agulhas, inúmeras agulhas que astuciosamente penetram na cabeça, não deixando espaço para qualquer reflexão mais elaborada. A única realidade que a tua cabeça suporta neste claro instante é um insuportável desconforto. Para além das agulhas, claro. Sabes que estão lá porque dói, sabes que são muitas por ser impossível decifrar as fronteiras dessa mesma dor. Depois, segue-se a fossa cheia de areia e pedras irregulares no qual o teu crânio fica num curto instante submerso. À dor associa-se assim uma pressão exagerada, incapacitante. Já não te bastava a dor, agora tens de ser forte e aguentar com a eminente detonação de todos os teus nervos. Os membros dão de sim, sem o seu órgão motor nada podem fazer. Perdes a determinação necessária para te mexer, os estímulos que recebes não provocam em ti qualquer diferença. E o estômago. O estômago, que não conhece qualquer alimento há horas, dá ares da sua graça dizendo explicitamente que não tolera que se pense, se quer, em comida. Está frio. Não, está calor, é debilitante! Como pode estar calor? Estás a tremer! Está frio. Não, não, é impossível que tenhas frio, estás a suar, pobre diabo, estás com calor. Se calhar estás doente. Sim, estás doente. Inconveniente doença esta, que te deixa fraco de espírito. Começa ligeira, sem deixar muitos rastos, preenchendo o teu pensamento com dúvida. Tão depressa te sentes doente como te deparas com o teu melhor estado de espírito. Já estás bem de novo, sorris como nunca, nada de mau se atravessa no teu caminho, queres abraçar toda gente, correr sem parar, mas se ainda agora estavas tão mal e agora já nada sentes, isso só pode significar doença. E voltam as agulhas, as pedras, a perda de apetite e de desejo de movimento, de vida. E era tão fácil ultrapassar tudo isto de uma vez, bastava que de um minuto para o outro te levantasses e ocupasses a tua pobre cabeça com outra coisa que não a tua doença. Bastava que ignorasses essa miserável abundância de pensamentos disparatados e acordasses para o vazio.
Não é assim que nos educaram? Se algo te atormenta, tens apenas que o esquecer, passar um pouco de água por cima para que os problemas se afastem. Mais tarde ou mais cedo já não te lembras de que as agulhas apareceram por uma razão que não era de todo inválida.
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."