o perfume
Dás por ti profundamente inebriado por uma descarga de energia repentina, preso nas redes de um só cheiro. Sabes que não precisavas de qualquer súplica para que te abandonasses neste estado perpetuamente pois de bom grado assim permanecerias até que os sentidos deixassem de possuir a força necessária para se cometerem aos desejos do corpo. Ajoelhado à sua frente imploras-lhe que fique, afastas a razão e deixas-te levar pelas ondas de perdição que a pouco e pouco se apoderam de toda a tua vida. Precisas deste impetuoso narcótico para te manteres aceso, seguro de todas as tuas capacidades motoras. Este perfume encantador não te deixa, fixou-se por todas as entranhas do teu miserável cadáver para que mesmo longe da sua alma tu tenhas a necessidade última de, a ela, te aprisionares. Estás em êxtase, se te fosse possível derreter como um cubo de gelo, há muito que serias um enorme lago uniforme no chão que aquele génio celestial diariamente percorre.
São estes os pensamentos que mal te deixam adormecer, aconchegado naquele gigante edredão de penas. Mas adormeces. E é quando acordas que entendes que, como tudo o resto que é bom, já passou, estando agora algures entre as folhas do desconhecido. Tudo jaz como antes de sentires aquela vertiginosa fragrância com uma subtil oscilação de amêndoas e madeira velha. Acabou, está tudo na mesma e nada mais ganhaste do que uma reconfortante memória de cada vez que te for oferecido o mesmo perfume. Vais receber a oferta e cair na imensa ternura. O bálsamo será o semblante de alguém ou aquelas férias que já não te faziam falta recordar. Mas acabará por aqui. Nada mais que uma reminiscência o que, de resto, já era de esperar.
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."