A conversa é sempre a mesma e já chateia. De cada vez que tenho de quebrar a rotina para ir de férias, canso-me da ideia e perco a vontade de ir onde quer que seja. No entanto, minuto e meio depois de a viagem ter começado já não quero outra coisa.
Sou um rapaz bastante parvo.
O comboio partia para Tavira com cerca de setecentas pessoas. Setecentas. Até dói a escrever. Quase tanto como doía andar pelo meio delas, divididas pelas nove carruagens para ver se alguma destas era melhor que a número quatro. Mito, nenhuma a batia. Nem mesmo a do senhor com o acordeão. A viagem foi, obviamente, bem regada, não fosse o povo do comboio todo gente saudável que se conserva bem com muito álcool nas guelras. Para além disso, havia muitos dias para queimar a bebida e tudo o resto. Para variar, à chegada a Tavira já tinha perdido a voz sabe Deus onde.
Feita a viagem, não foi muito difícil deixarmo-nos encantar por Pedras D’el Rei, pelo seu aldeamento praticamente todo para nós, pelas casinhas para gente pobre e para gente fina, pelas listas de recheio com talheres, chávenas, colchões e mesinhas de apoio a duzentos e cinquenta euros que não podiam ser roubadas, pelo supermercado da nutella, da fita-cola, da cerveja e da papa de bebé, pela piscina de três metros e meio, pelos atalhos, pelo alfa-pendular da Praia do Barril e pela bela da Praia e do mar.
De manhã éramos brindados com a Dona Fernanda que com muito mimo, para não nos acordar, perguntava se podia fazer o servicinho, éramos abençoados com um leitinho com mel de biberão para curar a garganta mal amanhada que tão bem sabia a mamar, com os roncos de alguém e com a bela da loiça por lavar. Foi a semana do arroz de marisco para trinta e cinco pessoas, dos iogurtes com frases bonitas como «Tens o meu carinho nas tuas mãos», das corridinhas para queimar o feijão, do meu pé torto mas belo, das fotografias com o Quim e com muitas conversas, nascimentos e falecidos, do chouriço às sete da manhã, da casa de banho sem luz e do Pélvis, o Polvo Elvis. Á noite era tempo de festa, ora do Azeiteiro – de palito na boca, camisa a condizer, calcinha arreganhada, meia branca e chinela -, ora a da noite Branca – transformada em noite da Toga à força da inspiração divina dada pelos lençóis que a Dona Fernanda trocava aquando do seu servicinho – ora a noite dos anos 70, sem espaço para dançar com roça-roça malicioso, tudo pelo espírito da paz e do amor.
Mas havia mais. Houve o Senhor Manuel que nos fez prometer que tratávamos bem das suas meninas – e elas lá arranjaram por certo alguém melhor que nós para as tratar -, houve a Ritinha das sardas, houve o Segurança Nelson que me deixava roubar flores e o Segurança Brasileiro que quase que nos mordia com suas presas por nós querermos levar chantilly – a bela da arma de arremesso – para a festa. Houve a Clara que fez anos e que pediu umas trinta vezes pela «Só um Beijo», a Joaninha que ia para a cama cedo e a Joaninha que me deixou ganhar no vólei, o Jonas do Yoga, o Lourenço Arrasa-Corações, a Inês que ganhou o torneio e a Ana da Mafita e a Mafita da Ana. Houve a Ronrom e o Daniel (ou seria Diogo ou David?) do ginásio com as amigas da Pum, o Curado que não se lembrava de mim, a Vania com Y que tão bem se mexia, e o Rui que queria dar beijinhos no Jonas do Yoga. Houve a Liliana que dava picas no dedo e os senhores que nos puxavam pela Banana. E houve muito mais gente, uns que o álcool lá destruiu e outros de que me vou lembrar quando acabar de escrever aqui o testamento.
Houve Gigi. De manhã comia cereais, leitinho e tinto, ao almoço comia chouriça e tinto, ao jantar comia marisco e tinto. Tanto tinto bebeu que ficou rosada nas pontas, o que não significa por isso que tenha sido mal tratada. Era o nosso rebento, tratada como uma rainha e sobreviveu bem viçosa durante os cinco dias de festa rija. Foram os dias em que a Gigi viu que não tinha Cástrol, em que aprendeu a nadar e a cantar músicas bonitas. Foram os dias em que o mundo conheceu a Gigi e ela se tornou a Deusa das Verduras. Longa vida à Gigi. Mas mais do que tudo, houve Popozudas, e só deu Popozudas. Se as Popozudas não ganharam foi porque não quiseram, porque não se sentiam bem a ter de voltar para o ano sem pagar quando todos os outros teriam de, possivelmente, vender o corpo para pagar os cento e vinte euros de inscrição. Tinhamos a Joaninha que marcou golo para Portugal, a Paulinha que tanto enrolava o cabelo pela voz do Lourenço, a Romi Romi e os taus que com tanto carinho eu lhe oferecia, a Rosa com o seu cheiro e o seu Pepino Assanhado, a Neide que tão bem lambeu o chantilly, a Aninhas que com tanta força me destruiu o coração, a Rita Rute e as suas calças floridas e a Rute Rita que, mesmo sem saber, me emprestou o cinto. Todas elas, bem tratadas pelos seus cavalheiros. Dani, Rui e Cláudio: fomos grandes.
Próxima paragem: Super Bock Super Rock. Sobe equipa!