saudades
O estranho não é, no entanto, sentir saudades, mas sim não conseguir compreender se me sinto bem ou não por tê-las comigo. Quando alguém odeia outra pessoa sabe bem que não gosta do sentimento, que lhe causa raiva, mal-estar, tudo o que lhe apetece é fechar os olhos e fazer com que todo o negativismo desapareça; do mesmo modo, quando amamos sabemos que queremos experimentar aquele estado para sempre, completamente desligados do resto do mundo que de um momento para o outro se vê transformado numa só pessoa. Ora, com as saudades, o mesmo não se pode nunca vir a passar. Consigo entender de uma forma bastante simples que tenho saudades, sinto o aperto entre os lábios e as vísceras mas não consigo rotular a sensação como boa ou má.
Hoje, enquanto conduzia, senti aquela nostalgia que toda gente sente quando passa por um sítio que muito nos diz. Raios, devo sorrir? Devo pensar em tantas boas memórias que aquele lugar me traz e que poderá ainda vir a trazer? Será correcto basear-me apenas nisso? Ou deverei ficar completamente de rastos por tudo o que passou já ir bem longe e por hoje, neste preciso momento, não poder sentir o mesmo?
Confesso que gosto do modo como de um momento para o outro se cria uma enorme abstracção de tudo o que nos envolve, as pessoas desaparecem, o ruído dissolve-se e o coração quase para, deixando todos os nossos movimentos quase imperceptíveis; o mundo para de girar e, como uma névoa, aparece na nossa cabeça a memória do tempo que saudamos - com uma ou duas coisas que melhoramos, uma vez que o sonho é nosso e nele podemos tornar a perfeição ainda mais perfeita, mesmo que na altura ela se tenha mostrado o verdadeiro terror; é um sonho, tem de ser perfeito. Então, a pouca saliva que tínhamos na boca desaparece, toda ela é agora um rio de lágrimas junto ao bordo dos olhos. Não choramos, mas sentimos que se aquilo que estamos a recordar se tornasse realidade num segundo, levaria bem menos tempo a todas as lágrimas escorrer pelas nossas faces.
Estarei feliz ou numa lástima? Sentimento confuso, este.
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."