bom dia
Um gato tresmalhado deambula a teu lado pelo passeio de uma rua ainda deserta, tentando adivinhar o porquê do velho hábito humano de usar apenas duas patas para se deslocar, desafiando teimosamente uma gravidade que o tenta impedir de voar. Por pouco faltar aos ponteiros para atingir as primeiras sete horas do dia, o frio mostra-se mais astuto em entorpecer os músculos do teu corpo ao mesmo tempo que torna mais robustas as livres cogitações do teu espírito, produzindo assim uma confortável e desperta sensação de brandura matinal. Não costumas acordar cedo, embora esse seja um dos prazeres que te satisfaz, desde que parta de um passo livre de qualquer obrigação e hoje, porém, não te resguardaste do ar glacial – ou pelo menos o mais glacial possível a que um clima temperado pode aspirar – e deixaste sono e cobertores para te dedicares ao labor de nada fazer. Estás exausto de acordar fatigado durante os últimos meses, angustiado tanto por coisas a que foste capaz de tirar um bom retrato como por factos que apesar de te incitarem a dias soturnos, não fazem parte do teu reportório de queixumes obtusos. E como a exaustão não leva ninguém a bom porto, abriste os olhos bem cedo para quebrar com o que vai mal em ti – não a vida, que essa será sempre gloriosa enquanto existe, mas sim a maneira de a dançar.
Pois bem, segue a tua própria orientação matinal e acorda para aquilo que sempre foste. Esquece a dor, ela que nunca se lembrou nem se magoou por ti. Despreza o que te pisa a alma inexistente, tem mais coragem que os outros e ri como sempre soubeste rir! Entusiasma-te com as pessoas, com os cheiros e emoções que elas emanam, com a desordem do mundo em que vives, esse mundo que não necessita de qualquer explicação desde o tempo distante em que o homem inventou por si a alegria, a comoção, a espontaneidade e acima de tudo, o esquecimento! Pois não é necessário procurar explicações para interesses aos quais nunca irás dar uso a não ser para o tormento insignificante, desfaz-te deles em águas profundas, lacera os seus elos com a tua consciência, dança! Dança disparatadamente! Dança, não to ordeno, imploro! Pega pelas mãos da mulher que passeia a teu lado na rua, com a sua pele enrugada por histórias de mil vidas, tira-a do chão e dança!
Está frio, é certo, mas ninguém se importa. Estão todos entretidos a dançar, e tu não queres nem vais ser uma excepção à regra. Pouco passa das sete da manhã. São sete da manhã aqui no Porto, sete da manhã em Estocolmo, sete da manhã em Pequim e sete da manhã em Santiago do Chile. São sete da manhã e o mundo saiu à rua para dançar ao som da vida, crianças com graúdos, africanos com indianos, americanos com iranianos, comunistas e conservadores, todos juntos festejam a música inaudível, esquecendo-se dos problemas que nunca existiram. Bom dia, é o que todos cantam sem saber.
16:53
Eu tenho pés de chumbo, não sei dançar!
Continuação de um bom trabalho.
Visitem:
http:homemmau.blogspot.com... topo