vigília
Há um par de horas que a penumbra se apoderou de um quarto que pouco ou nada de relevante tem para contar. Decidiste esquecer a janela aberta, convidando a entrar o brilho sonhador do céu pintado de branco e o frio de mais uma noite de um Inverno que se mostra pouco rigoroso. Durante esse par de horas sonhadoras, formulaste ideias e pensamentos voláteis cujo fim é pouco certo, tentando encontrar projectos de mil cores para cair no tão desejado sono profundo, delicioso subterfúgio que te afasta de tudo o que invariavelmente te abespinha e que terminantemente ambicionas deixar para trás.
Infelizmente, nas últimas noites a falta de sono conquista tudo o que em ti vive, forçando-te a viver tudo aquilo de que pretendes fugir uma e outra vez. Estás cansado de evasivas, mas sabes também que são elas que, de um momento para o outro, podem alterar o teu modo de estar. Prostrado no colchão pouco ou nada confortável, enterras os cabelos na almofada à espera que o cansaço derrube a insónia, e que todas as ideias infames que produzes, acerca daquilo que irás fazer no dia seguinte para te salvar, se esvaeçam no ar gélido.
Estás cansado, é compreensível. Tudo o que ambicionavas no passado apresenta-se agora como fútil, nada interessante, pouco digno do esforço que estavas disposto a aplicar. Como tal, à falta de verdadeiras direcções que sabes querer tomar, decides fazer uma pausa, vivendo nos livros as vidas que outros sabem criar de uma forma infinitamente mais criativa e bela do que aquela que tu usas para criar a tua. Apetece-te estar sozinho, tornar-te outra pessoa, e no entanto mesmo isso falha.
Nem tudo seria mau, se pelo menos conseguisses dormir.
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."