metamorfoses
A dor é capaz de incapacitar todo o teu raciocínio, afastar qualquer vontade de acordar que pudesse alguma vez restar, premiar o desmazelo e a impertinência de um corpo oferecido às maravilhas da indolência. Ela pode arrastar dias da tua vida e torna-los em anos bem crescidos que tu jamais lembrarás de ter visto passar, consegue apagar traços de felicidades empíricas e semear dúvida em lugares eternamente inabaláveis. A dor que te consome tem em ti um porto seguro que não pensa deixar. Ela devora-te. E no entanto, é essa mesma dor que te transforma. A dor aguda que se apropria da tua exuberância leva à delicada mas inquietante dúvida, a dúvida ao problema que formulas para com ele conseguires ganhar algo de bom, o problema à reflexão, reflexão esta que te desgasta mais do que a própria dor que tanta agonia causava no início do parágrafo. E por último, é a reflexão que te faz alcançar um desígnio capaz de te fazer ver que a dor em si é ridícula e supérflua, que humano como és consegues pegar na tua aflição e transforma-la numa lição. É este desígnio que fará de ti uma pessoa melhor. A dor é útil. Só precisas de suportar a bofetada com um sorriso maior do que aquele presente na cara de quem ta dá, mesmo que esse alguém sejas tu.
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."