luto
Apesar de Deus estar morto e enterrado, já ninguém se importa com isso – isto, se é que alguém alguma vez se importou. O mundo vive num rodopio infernal que se mistura com a vontade de uns em criar obra, - pouco motivados com a obra em si mas com tudo o que ela lhes poderá trazer - de outros em deixar legado, - tentando fazer dos seus filhos os filhos que eles nunca foram - daqueles em impressionar uns e outros, - porque não nos contentamos em ser simplesmente nós; o nós, tem de ser significativamente melhor que o eles - deles em cobiçar o que elas fazem, - porque se elas fazem, elas são melhores que eles, o que significa que eles também têm de fazer - delas em falar do que eles fizeram , - porque se eles fizeram, é preciso falar sobre isso até se concluir que elas fariam o mesmo, mas melhor.
No entanto, não é que vivendo no meio de todo este turbilhão de afazeres, dolorosos pela falta de perspectiva, ninguém pergunta porque está dentro dele? Se antes tinham ainda um Deus a seguir, um éden a aspirar e o abismo para evitar, hoje em dia apenas o trabalho de todos, a glória de uns e o infortúnio de outros é que conta para a glória deste nosso mundo. De um anho desamparado pertencente a um rebanho ignorante mas satisfeito que seguia um único pastor, decidimos ser cordeiros sem rebanho e sem pastor, mas sempre cordeiros, sempre animais. Deus está morto. Eles não se importam com isso, os animais. Importo-me eu. E se não me posso apoiar no Morto, a que me devo agarrar então?
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"Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito."