jaques
As flores de jasmim que sorrateiramente se desvendam pelos muros graníticos do lado esquerdo do pacato jardim soltam o perfume primaveril que atravessa a erva por cortar, sobrevoa as curiosas orquídeas dispostas em harmonia um pouco mais ao centro para por fim repousar na pequena figueira no extremo oposto do teu pacato refúgio. Apenas tens por companhia o simpático colibri, incansável no seu melódico bater de asas, do casal de esquilos que se passeia pelo muro e da tua graciosa solidão.
Apesar do elegante contraste entre o verde terreno e o azul celeste, o primeiro salpicado pela candura da flora e o último pela vanglória e criatividade das nuvens, ainda que a mistura de cheiros que se passeia pelo teu jardim convide a um descuido dos sentidos, embora a chama do sol começar a perder algum do seu entusiasmo, não te deixas distrair da tua afincada leitura de fim de tarde. Apesar do confortável banco de bambu em que repousas, encontras-te bem distante deste teu retiro. Lês sobre a não tão distante Paris da fome, miséria e pobreza, o Jaques que todos nós homens temos dentro de nós e o tricotar que todas vocês mulheres guardam no vosso coração, emocionaste com histórias de julgamentos orquestrados, amores ocultos e vinganças seculares, lês sobre a Revolução, a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade e por fim a inevitavelmente Morte. Consumido o livro despertas no teu jardim onde o Sol, estranhamente, há muito desapareceu tornando impossível a leitura do que quer que seja. Deixas por isso o perfume dos canteiros para arrumar na estante as páginas consumidas – se bem que ainda pouco digeridas - e ages como quem tem como certo a inexistência contemporânea da morte como contrapartida de algum bem necessário. Despertas para a tua simpática e cobarde realidade, rendido à evidência de seres demasiado fraco e preguiçoso para poderes mudar nos outros aquilo que sabes ser uma necessidade naqueles que se dizem humanos. Falta-te a coragem para seres Jaques. Jaques, e não José.
escrito por Pedro a 09 fevereiro 2007 //
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